terça-feira, 28 de abril de 2009

Palmas - 29 de Abril de 2009 - O velho piano.

Se for ler o texto, faça-se o favor de sentir essa musica.
Ler sem ouvi-la, não será a mesma coisa.
A doce Corinne Bailey Rae - Since I've Been Loving You
( http://www.youtube.com/watch?v=9MAAFqYXx4g )



É dia de semana e o piano é espanado pra espantar a poeira.
Ele senta, ajusta a altura do banco no palco daquela velha taberna que, há muito, fora sede boemia daquela parte da cidade. Verifica afinação daquelas teclas, estão como da ultima vez que estivera ali. Então, como se voltasse a respirar, toca ,desajeitadamente , aquelas teclas, como uma tímida criança que aceita um doce de um desconhecido.
Aos poucos se solta, solta os ombros, descruza as pernas e respira à velocidade com que toca... E toca... E toca... E fecha os olhos, tocando baixo, ele ouve a voz dela, que está agora sentada na calda do piano segurando um cigarro em uma das mãos, e na outra aquele microfone pentagonal disposto por cima do pulso aberto da mão esquerda, vestida de vermelho e fortemente maquiada, cantava fazendo amor com a platéia. Ao seu lado um violoncelo tocado com os dedos de seu velho amigo de palco escondido embaixo daquele chapéu coco preto e desgastado.
A sétima dose de uísque é contemplada pelo seu copo. Já não tem controle sobre os dedos dançantes entre a terceira e a quarta oitava do teclado, eles mexem-se por si só, não há cifra nem partitura, sua música brota dos poros ardentes daquela prostituta que canta à sua frente, contemplada pelos olhos cansados dos bêbados sentados em suas mesas redondas. Fumando, bebendo, jogando, brigando e dormindo sonham, sonham com aquela dançarina que poderiam comprar se não gastasse tudo o que não tinham em doses caras de uísque e charutos ditos cubanos.
Os bêbados, políticos, trabalhadores, malandros e os ébrios habituais sentados nos bancos do balcão e em suas mesas, acompanham com os queixos o som do piano, fazem desenhos no ar com a fumaça dos seus charutos, mas seus olhos são só da dançarina. Todos sabem estar errados, do pianista ao político na mesa mal iluminada no fundo do bar com uma prostituta sentada no seu colo. Todos sabem o que qualquer um diria se tivessem a coragem de se declarar freqüentadores daquele local, mas ninguém se importa, ninguém se importava.
Da meia calça preta ao falso colar de pérolas, aos poucos elas vai sumindo na fumaça dos cigarros que brilha sob a fraca luz das lamparinas da parede da taberna. Das cartolas altas e pretas aos charutos quase apagando, os homens nas mesas se dissolvem na escuridão. O violocelo, o bar man, as garçonetes e o bêbado debruçado sobre umas das mesas, vão sumindo, os dedos cansam e vão parando, uma lágrima escorre pesada do rosto e toca a ultima nota da última música, e ele abre os olhos. Abre os olhos naquele antigo bar de cadeiras amontoadas num canto, de balcão e prateleiras vazias, de poeira e teia de aranha. Levanta do banco, veste o paletó e vai-se embora como quem acorda pra um pesadelo ruim.

Otávio Fraz

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